terça-feira, 18 de setembro de 2012

As Crônicas de Mersey (parte 2)

1964

Pelo o que Rosie me contou era realmente muito engraçado o dito "fato do milênio", como ela chamava. Tudo havia começado mesmo em julho de 64, nas férias de verão do semestre e minha irmã trabalhava nesse meio tempo na galeria de arte da tia Julia. E também tinha feito umas duas semanas do tal encontro com ídolo.
Toda quinta-feira de manhã Rosie gosta de fazer as compras da família no supermercado. Só que apenas o necessário, o que realmente precisamos para mais uns dias. As compras em quantidade são feitas no começo do mês com mamãe, Rosie e eu. Porém, naquele dia as coisas não saíram como planejado, pelo menos para minha irmã mais velha. 
Ela segurava uma sacola com tudo comprado num braço e no outro ela carregava a bolsa. Derrepente uma moto apareceu em alta velocidade bem na saída do mercado. Sorte que o motorista freou mas horrivelmente mal, assustando as pessoas ali perto e quase atropelando Rosie, caindo com a sacola no chão arrebentada.
O motorista por sua vez era um músico, usando um terno preto semelhante aos Beatles, cabelo curto e preto e um sorriso super inocente. Ele socorreu Rosie que por sinal estava irritada.
-- Não olha por onde anda, seu trouxa?!
-- Me desculpa, senhorita. Não tive culpa. Me perdoa pelo incidente.-- o coitado ajudava a recolher as coisas da Rosie. Ela por sua vez estava em ponto de bala. Juro que se ela visse um taco de baseball, meteria pancadas sem cerimônia. 
-- Desculpas não bastam. Não sabe que é proíbido andar nessa travessa? EU PODIA ME MACHUCAR!!!!
-- Eu realmente sinto muitíssimo, senhorita. E...--- o cara parou de falar para uma rápida observação: era para maninha irada que tinha mais vontade de matá-lo.
-- E o que, homem? Fala logo, preciso voltar para minha casa. 
-- Você é a senhorita mais bela que já vi. Mora aqui perto?
-- Em Burttonwood, na zona sul. E mesmo me elogiando, isso não te salva do acontecido. Passar bem!
Ela ficou de costas para Chad (que na hora não reconheceu ele de tão brava) e caminhou de modo que enfiava o pé bem no chão, igual ao caminhar de um gigante dos contos.
-- QUE ÓDIO! AQUELE BASTARDO FILHO DE UMA.... AAAHHHH!!!!!-- ela chegou fechando a porta de casa bem estrondoso e xingando para toda vizinhança ouvir.
-- Que foi, mana? -- fui interrompida na leitura do meu gibi favorito da Marvel Comics, o Fantastic Four. 
-- Um músico desmiolado quase me atropelou na saída do mercado. Ai Vivian, eu juro que se tivesse um revólver, eu o mataria ali mesmo!
-- Cruzes! Mas não é pra tanto. Vai ver a lambreta deu problema no motor ou nos freios...
-- Foram nos freios. Ainda sim ele me fez derrubar os pacotes, olha. Sorte que a sacola aguentou até aqui.
-- E quem era o cara?
-- Eu sei lá. Um tipo com terno preto, sapatos pretos com saltinho, cabelo curto e dentuço pra cacete. 
Fiquei pensando: quem seria o músico de terno preto e sapatos, cabelo curto e dentuço?
Por um momento achei que seria o próprio Paul. No entanto, tinha mais um detalhe: ele tem dentes grande. Hum... enquanto pensava, Rosie continuava falando pelos cotovelos feito uma vovózinha histérica.
--... ou é retardado demais para não perceber minha raiva ou sou bonita demais para atrair atenção de qualquer músico por aí.
Não consegui achar a resposta e então fui folhear as edições da Mersey Beat, para ver se Rosie reconhecia o tal "bastardo".
-- É ELE!-- ela apontou para o baixista da banda Gerry and the Pacemakers
-- O quê? Tem certeza?
-- Tenho sim. Esse filho da mãe quase me matou.
-- Mana! Ele é Les Chadwick, baixista dos Pacemakers. A banda que Brian Epstein empresaria também.
-- E daí? Esse Chad-não-sei-o-que me ATROPELOU! 
-- Ah, Roselyn. Tanto estardalhaço por nada. Se você se machucasse, aí entederia. Mas foi um "quase", ok?
-- Ninguém entende minha situação, nem minha própria irmã mais nova...
-- Eu entendo sim. Se fosse com John Lennon nem estaria sofrendo de chiliques doidos, não é?
-- Vivian, dá um tempo!
No dia seguinte, eu e Rosie fomos dar uma volta no centro. Paramos numa sorveteria para continuar nosso papo de irmãs até eu (que possuo uma visão excelente de uma águia) avistar Gerry e sua turma, os Pacemakers adentrando o recinto. Minha boca aberta garantiu Rosie me chamar a atenção.
-- Vivian, o que houve? O que viu?
-- Eu-- falei baixo e torcendo para não surtar, como daquela vez que encontrei Paul e Ringo.-- Eu... vejo eles. Gerry... Maguire... Fred... e Chad... estão aqui e...
-- Por Athena (N/A: Rosie e Vivian possuiam a mesma característica da detetive Maya em sempre mencionar deuses e fatos da mitologia em alguma circunstância), fala logo, pirralha!
-- Eles nos viram.
-- Ei, senhorita! Te reconheci! Tudo bem?-- perguntou Chad, tão amável. 
-- Estava bem até aparecer aqui. Olha, se quiser eu aceito mesmo suas desculpas mas não me veja mais!
-- Fico feliz por isso. Quero convidá-las para o show do Cavern. -- e ele estendeu exatamente 4 ingressos para o show da banda no Cavern Club, o pub mais legal de Liverpool e onde os Beatles foram revelados.
Logo depois que os Pacemakers foram embora, voltamos para a casa e discutindo se vamos ou não no show.
-- Eu quero ir no Cavern, Rosie.-- implorava chorosa
-- Menores só entram acompanhados.
-- Você me leva e convida a Jane e Sue.
-- Não sei se elas curtem...-- elas curtiam sim, eu sei. Rosie estava muito relutante.
Não teve outra. Assim que souberam da novidade, Jane e Suzan subiram paredes de tanta alegria sentida e no concesso legal, fomos todas no show do sábado. 
Não é preciso dizer que o "porão" estava lotado. Sempre imaginei o lugar cheio de gente dançando, bebendo e namorando. Ficamos no balcão do barzinho e assistindo o show. Fiquei perto da Suzan que tinha uma visão melhor dos rapazes cantando. Eu agitava e gritava feito louca. Se fosse mesmo com os Beatles, seria bem pior do que na hora do agito. Vi que Rosie estava meio chateada e ela pro banheiro feminino. Acompanhei para saber o que estava acontecendo.
-- Tá me seguindo, pirralha?
-- Não, mana. Me preocupei com você.
-- Tenho medo, Vivi.
-- Medo do quê?
-- De me... apaixonar por ele também.

(continua)...

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